Ná Ozzetti
Reggae Cubista
Foi Plínio Chaves, um dos donos do Lira, quem me mostrou Beleléu no saguão do próprio Lira Paulistana. Viajei nos arranjos, na forma como Itamar usava os vocais. Era uma espécie de reggae cubista, desconstruído. Trazia referências africanas, ancestrais, do próprio rock, e até uma ponte com o trabalho do Arrigo. Mas de uma forma nova.Seus maiores hits estão ali, Beijo na Boca,Luzia, Fico Louco. Escutava aquilo o dia inteiro, assisti ao show de lançamento e depois fui todos os dias da temporada do Lira. Depois, meu coração de músico não me permitiu mais ficar ausente de onde quer que Itamar se apresentasse.
Quando gravei meu primeiro disco, o Itamar traabalhava no mesmo estudio. Nos viamos todos os dias, eu gravava a tarde, e ele, à noite. E alguns dos musicos participavam dos dois discos. Um dia falei que queria gravar uma música deles. Paulinho (Lepetit) me mostrou uma parceria dos dois, Cardápio Barra Pesada, e a própria Isca gravou. Quando Itamar escutou, resolveu participar improvisando aquela fala que está lá nodisco. Nesse mesmo ano, 1988, me chamou para acompanhá-lo em uma turnê pela Alemanha. Ensaiei, fizemos uma temporadinha aqui em São Paulo e embarcamos.
Muitos caminhos na minha carreira foram abertos pela sua obra. Talvez ele nunca tenha sabido disso. Quando canto tenho traços marcantes do trabalho com o Rumo, do canto falado. Mas minha maior influência nas linhas do arranjo que passei a desenvolver sozinha desde o começo dos anos 1990. Mostrei algumas para Itamar e ele logo apareceu com a canção Inspiração. Depois vieram Lá vai a Ná na nave Pra Lá, Só te ver, Só comigo (com Dante Ozzetti). Um processo simples. Eu gravava a melodia, a base, em uma fita cassete e mandava pra ele. Daí, ele ligava e vinha entusiasmado com a música pronta.
Não saberia dizer qual de suas músicas é minha preferida. Me apaixonei por Sutil de cara, virou carro chefe dos meus shows. Sampa Midnight é do outro mundo e adoro a interpretação da Suzana Salles. Tem Milágrimas, parceria com Alice Ruiz, como Dicionario, que Zélia Duncan gravou.
Itamar tinha a coisa desconstruida, mas cheia de canções redondas no inicio, com as meninas (Virginia, Vania e Suzana). Evoluiu, sofisticou-se em meio a silencios até chegar a algo quase mântrico. Melodias que soam como haikais. Serenidade.
Ná Ozzetti
Texto extraído do livro Pretobrás: Por Que Que Eu Não Pensei Nisso Antes? O livro de canções e histórias de Itamar Assumpção, vol II – São Paulo: Ediouro, 2006 – Organizadores Luiz Chagas e Mônica Tarantino
Zélia Duncan
Eu sei que vou Itamar
Por toda minha vida
eu vou Itamar
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Comecei a me aventurar no repertório de Itamar em 1985, ainda em Brasília. Eu tinha tenros 20 anos e foi minha primeira minirrevolução. A música era Fico Louco. Naquela época eu cogitava até mudar para Sampa e me infiltrar na banda, fazer vocal, ficar perto do que me instigava.
Muitos carnavais depois em 1995, meu telefone tocou, já no Rio de Janeiro, e era ele. Me chamava para cantar num show no SESC Pompéia justamente a música que eu mais adorava do recém-lançado Bicho de 7 cabeças. Fui correndo, o encontro foi mais ou menos… Havia muito o que correr atrás ainda para estar realmente perto.
Mas gravei, no ano seguinte Vou Tirar Você do Dicionário, dele com Alice Ruiz. E assim começava a imprimir esse repertório generoso de significados na minha vida artística, definitivamente. Íamos ficando amigos devagar e profundamente.
Itamar cantou comigo no Canecão, na estréia de Intimidade. Não por acaso! Havia gravado com ele Dor elegante, no seu álbum Pretobrás. Depois gravei Por Que Que Eu Não Pensei Nisso Antes, com o mestre no estúdio.
Então comecei a pensar num projeto de música brasileira mais enraizada. Precisava de um nome para isso, um nome que me ajudasse a mostrar para as pessoas que era eu, mas era outra! E mais uma vez a obra de Itamar me acolheu e me deu a frase de que eu tanto precisava: eu me transformo em outras; pedaço da música que gravei e que abria o show, o disco e o DVD Quem canta seus males espanta.
Até no trabalho de sambas e choros eu infiltrei Itamar, que me deu o mote pra tudo o que eu iria enfrentar. Cheguei a lhe dizer isso antes de sua partida. Aliás, naquele dia eu estava em Brasília cantando com Ná Ozzetti… Nos despedimos cantando.
Mas eu me vingo de sua ausência cantando suas músicas, falando dele onde passo. Queria que cada brasileiro soubesse de cor uma canção de Itamar. Luto por isso. Gravei mais quatro recentemente. Duas parcerias sublimes dele com a amada Alice Ruiz: Tudo ou nada, Milágrimas. Regravei Dor Elegante, dele com Leminski. gravei agora Vi, Não Vivi, dele com Christiaan Oyens. E ainda é só o começo do que eu gostaria de fazer e farei.
Sinto falta da presença, das opiniões, da voz na minha secretária eletrônica me chamando de grude. Tem dia que é pior… então eu canto e ouço suas músicas, que me alimentam e, espero, continuem alimentando cada um que trouxer a obra de Itamar Assumpção perto de si.
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Zélia Duncan
Texto extraído do livro Pretobrás: Por Que Que Eu Não Pensei Nisso Antes? O livro de canções e histórias de Itamar Assumpção, vol II – São Paulo: Ediouro, 2006 – Organizadores Luiz Chagas e Mônica Tarantino
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Tudo esclarecido